Friday, December 30, 2005

Heisenberg


(De uma aparição em Palavras em Linha)


Passava por aqui como brisa suave que não presta atenção aos obstáculos e senti-me chamado. Porquê eu, porquê agora?
Venho sempre depois da última estação, concorrendo contra o vento e contra a tempestade. Mesmo assim, antes do tempo, antes das colheitas e da felicidade de ter.
Talvez não seja por acaso. A minha estrutura é a mesma do sonho. Não interessa muito o ser ou não ser.

São muitas as formas de não chegar. São muitos os desejos. São demasiados os desencontros.
Soube, em tempos, porque descobri, que há ardor bastante em antecipar o lume e que no momento em que atingimos a dobra assombrosa da montanha não é ainda ali que está.
Mas também o saber se esvai e com ele a firmeza das deduções e a quadratura do círculo.

De cada vez que o sangue ferveu pelo impulso consentido, senti-me à beira do lugar e da hora em que era suposto uma verdade definir-se. Parecia, pareceu, foi, existiu, prometo, esse instante.

Nas quedas abruptas que às vezes ocorrem nos sonhos, mesmo nessas em que não somos nós que guiamos a barca e parece que uma mão forte e definitiva nos remove do selvagem instinto do acaso, há um momento, imediatamente antes, em que acordamos.

Não sei como explicar, eu que gosto de formosas explicações, este adiar definitivo de tudo o que está para acontecer, este desvio para o lado no momento do choque, este gongo que nos salva no momento exacto em que o corpo se aproxima da demência.

Por agora, enquanto não acontece outro desejo inacabado, aceito que na proximidade dos desejos há sempre um ar rarefeito que torna o mundo mais improvável como se um cósmico princípio da incerteza nos impedisse saber de nós e do outro ao mesmo tempo.

Quaise